Advocacia de Apoio/Advogado Correspondente em Belo Horizonte/MG - Diligências e Audiências
1. A fase de defesa prévia na ação de improbidade administrativa
O art. 17, §§ 7o a 10o, da Lei no 8.429 estabelece a fase de defesa prévia ou preliminar no âmbito das ações de improbidade administrativa.Trata-se de etapa em que os réus são notificados para apresentar manifestação por escrito, no prazo de quinze dias, previamente à decisão sobre a admissibilidade da petição inicial.
Lembre-se que a petição inicial da ação de improbidade administrativa apresenta uma peculiaridade: deve conter, além dos elementos previstos no CPC (art. 282 e 283), indícios suficientes da existência do ato de improbidade (art. 17, § 6o da Lei no 8.429). Ou seja, deve ser mais robusta do que outras iniciais, inclusive pelo seu caráter eminentemente sancionador.
Assim, a defesa preliminar dos réus permite a prolação de um juízo de admissibilidade da inicial de forma mais completa após o contraditório prévio. A finalidade da defesa prévia consiste em impedir o prosseguimento de ações temerárias, desprovidas de fundamentos legítimos, manifestamente incabíveis, porém aptas a causar transtornos e constrangimentos inerentes à posição de réu aos sujeitos arrolados no polo passivo - em especial (mas não apenas) às autoridades públicas. Não por acaso, o estabelecimento dessa fase teve como inspiração o procedimento relativo aos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos, previsto nos arts. 513 e ss do CPP.
Recebidas as manifestações preliminares dos réus, o juiz proferirá decisão sobre a admissibilidade da demanda no prazo de trinta dias.
A rejeição das defesas prévias implicará o recebimento da petição inicial, com a determinação de citação dos réus para apresentarem contestação. Tal decisão é impugnável por meio de agravo de instrumento (art. 17, § 10o, da Lei nº 8.429).
2. A supressão da defesa prévia: conseqüência.
Apesar da previsão legal específica, há casos em que a referida fase é suprimida pelo julgador. Ao invés de se determinar a notificação dos acusados para ofertarem defesa prévia, ignora-se esse contraditório preliminar e determina-se desde logo a citação dos demandados para apresentarem contestação. Uma discussão relevante se relaciona com as conseqüências da supressão dessa fase pelo juiz.
Por um lado, defende-se que a defesa prévia é uma garantia conferida aos demandados nas ações de improbidade, de modo que a supressão da fase configura nulidade insanável. De acordo com essa corrente, a fase de defesa prévia caracteriza o rito especial da ação de improbidade. Afinal e em linhas gerais, a ação de improbidade é composta pelo rito comum ordinário acrescido da fase do contraditório preliminar. Assim, essa fase compõe o devido processo legal inerente às ações dessa natureza. Logo, suprimi-la equivale a alterar o rito previsto em Lei de modo a torná-lo incompleto e menos rigoroso, o que viola os princípios do contraditório e da ampla defesa, gerando nulidade absoluta.
Ainda, alude-se à necessidade de a decisão acerca da admissibilidade da inicial compreender os fundamentos veiculados na defesa prévia, inclusive porque a referida decisão pode ser objeto de agravo de instrumento. Ou seja, ainda que o juiz decida pela admissibilidade da inicial, os réus têm o direito de devolver essa matéria ao tribunal, mediante recurso. Também por isso, defende-se que não é possível suprimir a referida fase sob pena de configuração de nulidade insanável.
Há outra corrente, no entanto, que sustenta que não se configura nulidade absoluta nesses casos. Reputa-se haver nulidade meramente relativa, dependendo da comprovação de prejuízo ao réu. Defende-se que não é possível falar-se em nulidade quando não há prejuízo (pas de nullité sans grief). Alude-se ao art. 244 do CPC: "Quando a lei prescrever determinada forma,sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, Ihe alcançar a finalidade."
Assim, alega-se que como a finalidade da defesa prévia consiste em impedir a admissão de petições inicial de ações temerárias, infundadas, manifestamente incabíveis, o prosseguimento do feito - eventualmente, com o oferecimento de contestação e a prolação de sentença condenatória - comprovaria a ausência de prejuízo. Afinal, o contraditório teria sido observado pelo oferecimento da contestação e a sentença de procedência teria confirmado a admissibilidade da inicial. Em termos práticos, se a ação teve seguimento e redundou em sentença condenatória, por exemplo, a finalidade de verificação da viabilidade da inicial estaria superada e não haveria prejuízo aos réus.
Ademais, há ainda posicionamento baseado na jurisprudência produzida relativamente aos dispositivos do CPP sobre o contraditório preliminar. Defende-se que a notificação prévia dos demandados para apresentar defesa seria dispensável quando o ajuizamento da ação fosse precedido de inquérito civil. Isso porque o inquérito propiciaria o amplo exame dos elementos pertinentes e a colheita das provas existentes, de modo que (segundo esse entendimento) a ação judicial correspondente não seria infundada ou temerária - dispensando, portanto, a necessidade de discussão a esse respeito.
3. As manifestações do STJ
Em diversas ocasiões o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que a supressão da fase da defesa preliminar em ação de improbidade administrativa gera nulidade insanável (AgRg no REsp 1.204.965/MT, Rel. Min.: HUMBERTO MARTINS, 2ª Turma, j. 02/12/2010, DJe 14/12/2010; REsp 693.132/RS, Rel. Min.: LUIZ FUX, 1ª Turma, j. 26/09/2006, DJ 07/12/2006, p.274; REsp 1.008.632/RS, Rel. Min.: FRANCISCO FALCÃO, 1ª Turma, j. 02/09/2008, DJe 15/09/2008; REsp 1.087.922/SP, Rel. Min.: FRANCISCO FALCÃO, 1ª Turma, j. 07/05/2009, DJe 20/05/2009).
Nesse sentido, há um acórdão paradigmático, de relatoria do Min. LUIZ FUX:
"A inobservância do contraditório preambular em sede de ação de improbidade administrativa, mediante a notificação prévia do requerido para o oferecimento de manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias (§ 7.o, do art. 17, da Lei 8.429/92), importa em grave desrespeito aos postulados constitucionais da ampla defesa e do contraditório, corolários do princípio mais amplo do due process of law" (REsp 883795/SP, Rel. Min.: FRANCISCO FALCÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, j. 11/12/2007, DJe 26/03/2008).
Em outro julgado, a Corte Especial do STJ reconheceu a nulidade de processo que não observou a fase de defesa prévia:
"Destarte, nulo é o processo que veicula ação de improbidade contra ex-Governador sem obediência ao devido processo legal, in casu, pela desobediência de notificação prévia a que se refere o art. 17, § 7o, da Lei n.o 8.429/92, denotando ausência de condição de procedibilidade, também considerada como pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo (art. 267, IV, do CPC), resultando em sentença terminativa do feito" (Pet 2.639/RJ, Rel. Min.: LUIZ FUX, Corte Especial, j. 18/05/2005, DJ 25/09/2006, p.198).
Esse entendimento foi adotado reiteradamente, como se vê em diversos julgados: AgRg no REsp 1.204.965/MT, Rel. Min.: HUMBERTO MARTINS, 2ª Turma, j. 02/12/2010, DJe 14/12/2010; REsp 693.132/RS, Rel. Min.: LUIZ FUX, 1ª Turma, j. 26/09/2006, DJ 07/12/2006, p.274; REsp 1.008.632/RS, Rel. Min.: FRANCISCO FALCÃO, 1ª Turma, j. 02/09/2008, DJe 15/09/2008; REsp 1.087.922/SP, Rel. Min.: FRANCISCO FALCÃO, 1ª Turma, j. 07/05/2009, DJe 20/05/2009.
Paralelamente, no entanto, em algumas decisões mais recentes, o STJ posicionou-se em sentido diverso, exigindo a comprovação do prejuízo para que a nulidade fosse reconhecida: REsp 1.184.973/MG, Rel. Min.: ARNALDO ESTEVES LIMA, Primeira Turma, DJe 21/10/2010; AgRg no REsp 1127400/MG, Rel. Min.: HAMILTON CARVALHIDO, Primeira Turma, j. 08/02/2011, DJe 18/02/2011; AgRg no REsp 1218202/MG, Rel. Min.: CESAR ASFOR ROCHA, Segunda Turma, j. 12/04/2011, DJe 29/04/2011.
Em uma passagem recorrente, aponta-se que "A ausência da notificação prévia tratada no art. 17, § 7.o, da Lei 8.429/1992 somente acarreta nulidade processual se houver comprovação de efetivo prejuízo, de acordo com a parêmia pas de nullité sans grief Precedentes do STJ. 4. Na hipótese, os réus foram validamente citados e tiveram assegurado o direito à ampla defesa, tendo o Juízo de 1.o Grau concluído pela procedência do pedido deduzido pelo Parquet. Proferida a sentença condenatória após regular tramitação pelo rito ordinário, fica superado o juízo liminar de mero recebimento da petição inicial, razão pela qual não há falar em nulidade" (REsp 1174721/SP, Rel. Min.: HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, j. 27/04/2010, DJe 29/06/2010).
Mais recentemente, alguns temas relacionados à defesa prévia vieram à tona com o acórdão no 1.163.643, de relatoria do Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI proferido de acordo com a sistemática dos recursos repetitivos.
O referido acórdão consignou que o procedimento relativo à defesa prévia é aplicável apenas nas ações de improbidade típicas. Registrou que "Não se pode confundir a típica ação de improbidade administrativa, de que trata o artigo 17 da Lei 8.429/92, com a ação de responsabilidade civil para anular atos administrativos e obter o ressarcimento do dano correspondente. Aquela tem caráter repressivo, já que se destina, fundamentalmente, a aplicar sanções político-civis de natureza pessoal aos responsáveis por atos de improbidade administrativa (art. 12). Esta, por sua vez, tem por objeto conseqüências de natureza civil comum, suscetíveis de obtenção por outros meios processuais".
Além disso, refutou o argumento de que a existência de inquérito civil dispensaria a necessidade de notificação dos demandados para apresentar defesa prévia: "a instauração de inquérito civil, no âmbito do qual se produz a prova necessária para a ação de improbidade, é o procedimento padrão e normal em casos da espécie, conforme fazem certo os artigos 14, § 3º e 15 da Lei 8.429/92. Nem por isso, todavia, proposta a ação, fica o juiz dispensado de promover o juízo de delibação para recebimento da inicial, precedido da notificação prévia do demandado para se manifestar a respeito, conforme exige o art. 17, §§ 7º, 8º e 9º".
Ademais, consignou que a observância da defesa prévia seria "...indispensável, porque é ato processual típico da natureza desse rito especial..." e que a exigência se coloca "sob pena de nulidade".
4. Conclusão
Apesar disso, a questão continua a suscitar controvérsias. Mesmo após a prolação do referido acórdão, persiste a divergência jurisprudencial a respeito da obrigatoriedade da fase do contraditório prévio, bem como das consequências derivadas da sua supressão. Essa circunstância é ilustrada pelo acórdão no 1.194.009, da 1ª Turma, de relatoria do Min. Arnaldo Esteves Lima, em que se decidiu que o reconhecimento de nulidade pela supressão da defesa prévia dependeria da demonstração de prejuízo, que não existiria naquele caso concreto. Mas a decisão foi tomada por maioria: os Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Teori Albino Zavascki manifestaram o entendimento de que a supressão da fase de defesa prévia constitui nulidade insanável.
Rodrigo Goulart de Freitas Pombo
Especialista em Direito Processual Civil
Advogado de Justen, Pereira, Oliveira e Talamini
Informação bibliográfica do texto:
POMBO, Rodrigo Goulart de Freitas. Consequência da supressão da fase de defesa prévia na ação de improbidade administrativa: o posicionamento do STJ. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n.º 72, fevereiro de 2013, disponível em https://www.justen.com.br//informativo.php?l=pt&informativo=72&artigo=940, acesso em 22/04/2013.
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